segunda-feira, 17 de agosto de 2009

requiem por um tempo que não vivi, 1986

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Naquele tempo eu era um sulco profundo
por escrever no teu rosto,
uma sombra ou claridade a amparar os teus passos.
Pelas ruas, pelas cidades, pelas casas quietas
absortas na gestação da morte e da poesia.
Frágil, quando já existias no mundo, eu era ainda
brisa ténue a atravessar os teus dias
uma poalha de memórias nas manhãs de abril,
quando me esperavas nas noites de misterioso sossego
e lembravas o meu olhar ainda por nascer
- horas para escrever o futuro das aves e o amor dos lumes
com a caneta a verter sangue sobre a folha.
E antes de mim, eu era linha de lume na borda dos teus lábios
uma palavra de água a beber da tua pele, dos teus cabelos,
um nome oculto sob a carne tatuado.
Ccatriz invisível no teu corpo ainda imberbe.

sim, esta música é bonita

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

e que bom que é dar e receber.
nunca me senti tão agradecido!

"E subitamente, o amor (...)"

Gustav Klimt, O Beijo



"E subitamente, o amor. Eis que o teu rosto me enternece. Que o teu corpo nu é-me familiar como um espelho e a tua carne, para ser mordida, para ser segura entre os meus dedos longilíneos se me anuncia e entorpece: das omoplatas crescem asas inseguras, voam os cabelos sobre todos os leitos, sobre as mesas, sobre o chão molhado das casas sombrias. Nos lábios, agora, arrebentam rosas: palavras etéreas que desabrocham imberbes e nada dizem: só os olhares falam e o Medo. Só os olhares se humedecem vítreos, orvalhados. Líquidos como líquido é o teu rosto no meu ventre. Líquido como todas as sementes no meu útero.

Eis que as mãos se encontram e acolhem. Ao sol de uma manhã as mãos se apertam ainda despidas, como pássaros que têm sono. Nas ruas, ao anoitecer, numa cidade longínqua, as mãos se entrelaçam sempre trémulas, medrosas no rubor das águas, no sangue fervente da paisagem. E no peito, timidamente, a eternidade."